15.2.14

A Noite
Um Filme de Rodrigo Amboni

Após a morte prematura de sua esposa, a vida de Rubens fica suspensa em uma profunda depressão, que o faz entrar nos lugares mais ocultos e sensíveis da alma. Seu estado psicológico transita entre as suas memórias, sensações, medos, sonhos e vigília em um só tempo, o seu tempo interior. E é dentro deste tempo que a história é narrada, com uma linguagem que se afasta da prosa e aproxima-se à poesia.




Diário de bordo.
Florianópolis, 20 de fevereiro de 2013


ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

A noite foi o título dado a um pequeno caderno de anotações e poesias, que apesar de não saber onde me levariam, havia uma intenção bem clara: expressar os sentimentos mais profundos de uma pessoa que passa por um momento difícil, como por exemplo alguém que teve uma perda irreparável na sua vida. O nome pareceu-me interessante pela riqueza de significados dessa palavra. A noite pode ser tanto a parte do dia em que escurece e que por convenção chamamos de noite, quanto a escuridão, as trevas, o universo onírico, o que está oculto, o que não se vê. Também “A noite” porque recorrentemente as páginas do meu caderno eram preenchidas durante a noite, e o próprio ato de escrever requer uma certa dose de noite, de solidão, de serenidade e caos.

Aquele vulto que antes era apenas um vulto do espírito de um gato preto,
agora cobre todo o meu corpo.
Assim caminho ao mar, em plena luz do sol, não pela sombra, mas pelo escuro.
E entre o céu e o chão, ambos me tocam,
não há nada mais além do que um resistente desespero,
tecido a fios de náilon e algumas lâminas afiadas.


Certa noite, lendo Esculpir o tempo de Tarkovski, comecei a visualizar onde me levaria esse caderno. Num trecho do livro ele fala que

“A origem e o desenvolvimento do pensamento estão sujeitos a leis próprias e as vezes exigem formas de expressão muito diferentes dos padrões de especulação lógica. Na minha opinião, o raciocínio poético está mais próximo das leis das quais se desenvolve o pensamento e, portanto, mais próximo da própria vida, do que a lógica da dramaturgia tradicional. Através de associações poéticas, intensifica-se a emoção e torna-se o espectador mais ativo. Ele passa a participar do processo de descoberta da vida, sem apoiar-se em conclusões prontas, fornecidas pelo enredo, ou nas inevitáveis indicações oferecidas pelo autor.”

Senti que esse processo de descoberta da vida, que torna o espectador mais ativo, tinha uma grande potência nos filmes de Tarkovski através das identificações afetivas que as imagens e os sons podem causar no espectador, mexendo com suas memórias e sensações e remetendo-os as suas próprias experiências e as suas próprias histórias.

Foi então que percebi que tinha algo muito particular e começou para mim esse complexo desafio (que encarei com muito entusiasmo): transformar essas poesias que havia escrito – que tinham uma grande força sensorial e que por oras pareciam-me impossíveis – em um roteiro cinematográfico que tivesse uma linguagem poética em que fosse possível tecer imagens e sons por meio de um fluxo livre e inconsciente, com uma montagem de tempos anacrônica.

Microorganismos do tempo arrastam-se por toda a fundação da vida, devastam o que continua com um insistente apego.
O que eu posso com o que é inesquecível em ti?
O desejo da morte zomba com vento forte de medo do que não se experimenta, e golpeia as paredes úmidas de algum mar aberto. É preciso desenhar da forma mais obscura os fragmentos – que são tão palpáveis quanto o ar – até dizimá-los (e disseminá-los) numa boca seca caída na beira da praia: ler um pouco das sombras.

É no mar que termina tudo para quem carrega todos os fins. 

Rodrigo Amboni durante as filmagens de A Noite


REALIZAÇÃO 
Funcine, prefeitura municipal de Florianópolis, Governo do Estado de Santa Catarina e O mago realizações

APOIO CULTURAL 
Cinemateca Catarinense e Fundação Franklin Cascaes.

Projeto vencedor do VIIº Prêmio Funcine de Produção Audiovisual “Armando Carreirão” 2012 e do Prêmio Catarinense de Cinema 2012.

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